Classificada como doença pelo American Medical Association desde 2013, a obesidade é uma epidemia global, que atinge pessoas de todas as idades, sexo e classe social. O dia 3 de junho é marcado como o Dia de Conscientização Contra a Obesidade Mórbida infantil. Aproveitamos esta data e conversamos com a endocrinologista Dra Sylka D´Oliveira Rodovalho, que é coordenadora do nosso Departamento Científico de Endocrinologia e Metabólica, sobre a obesidade infantil.
Dados do Ministério da Saúde mostram que o Brasil tem 2,4 milhões de crianças com sobrepeso, 1,2 milhão com obesidade e 755 mil com obesidade grave. Este é um problema sério, que precisa ser prevenido e combatido. A obesidade causa várias comorbidades, problemas sociais e psicológicos que podem prejudicar significativamente a qualidade de vida de crianças e adolescentes.
Na entrevista, a Dra Sylka explica quais são os principais problemas causados pela obesidade, como preveni-la, a importância do papel da família e a quais sinais de alerta devemos ficar atentos. Confira:
A obesidade infantil é um problema sério? Por quê?
Obesidade é um problema muito sério de saúde, principalmente quando ela começa na infância, porque ela aumenta os riscos de doenças cardiovasculares, as chances de a criança ter problemas com o colesterol, com o triglicérides, uma síndrome metabólica e também aumenta o risco de diabetes, tanto na adolescência quanto na idade adulta. Então obesidade na infância é um problema sério, que deve ser contornado e evitado desde os primeiros anos de vida.
Quais as causas da obesidade infantil?
A causa é complexa e com vários fatores etiológicos, desde fatores genéticos, que podem começar já no pré-natal, como na idade infantil, com a introdução de alimentos. A criança sedentária também tem uma grande chance de se tornar uma criança obesa. Existe uma correlação e estudos mostrando que quanto mais tempo a criança fica em frente à televisão, ou seja, sedentária, mais ela se expõe ao risco de obesidade. Então não é uma causa só. Há uma complexidade na geração da obesidade.
Uma criança obesa será um adulto obeso?
A presença de obesidade em um dos pais aumenta a chance de a criança ser obesa no futuro. Com os dois pais obesos, as chances são de 80% de essa criança também se tornar obesa na vida adulta. Não só a obesidade pode ser herdada, mas também o padrão como a gordura se distribui no corpo. Eu quero dizer que se os pais têm predominantemente uma obesidade abdominal, a criança também herda a chance de desenvolver uma obesidade, um aumento de gordura que se localiza mais no abdome. Evitar que a criança desenvolva obesidade, evita também que ela repita o padrão de distribuição de gordura dos próprios pais.
Todos sabemos que a obesidade não é uma questão meramente estética. Quais problemas de saúde ela pode causar para uma criança, tanto sob o aspecto físico quanto emocional?
E obesidade não é uma questão meramente estética. Além das questões psicológicas – as crianças hoje sofrem muito bullying em relação ao peso -, a gente tem as questões físicas. Problemas articulares, ou seja, desenvolvimento precoce de dores e problemas nas articulações, diabetes, síndrome metabólica e risco de aumento das doenças cardiovasculares na vida adulta são algumas das questões a que as crianças estão expostas com a obesidade. E a questão social e psicológica também é muito impactante na vida da criança, principalmente, vivendo hoje em uma sociedade que cultua a magreza, o corpo perfeito e a saúde.
Como saber se uma criança está obesa? Qual a diferença entre estar “gordinho” e estar obeso?
Diferentemente do adulto, em que a gente pode avaliar a obesidade só aplicando o IMC (Índice de Massa Corporal), que é o índice em que eu avalio o peso em relação à altura, na criança, a gente tem de avaliar essa relação do IMC e colocá-la dentro de uma curva especial de avaliação de crescimento. Se esse IMC estiver acima do percentil 85, a criança é considerada com sobrepeso e, acima do percentil 97, com obesidade.
Quando a criança está um pouco acima do peso, já é hora de tomar providência? A tendência é piorar, ou seja, o peso continuar aumentando?
Uma criança deve ser avaliada pelo seu aspecto de saúde, então o peso aumentado já é sim um risco para as doenças. Se nada for feito para que a gente mude esse ambiente no qual a criança está – e eu estou falando especificamente do sedentarismo e de maus hábitos alimentares-, ela vai desenvolver um grau de obesidade e, se nada for feito, sim, o peso vai continuar aumentando.
Como é feito o tratamento de criança obesa? E qual o papel da família neste processo?
Inicialmente, identificamos os fatores ambientais, que possam estar levando essa criança ao sedentarismo e a erros alimentares. Avaliamos também a questão social. Crianças que têm pouco acesso a alimentos saudáveis, ou seja, que estão submetidas a um regime alimentar de alimentos ultraprocessados, também têm risco para a obesidade. Se a gente atuar nesses fatores, já está fazendo uma prevenção da obesidade. A partir dos 12 anos, nós já temos algumas medicações que foram aprovadas para o uso em crianças, principalmente em adolescentes. Em crianças que estão muito acima do peso, em que se percebe um insucesso muito grande do tratamento clínico, a gente deve fazer uso dessas opções terapêuticas. A família tem um papel extremamente importante, pois é na família que se desenvolvem hábitos alimentares mais saudáveis.
Quando os pais devem ficar preocupados com o peso dos filhos?
Sempre, desde que são recém-nascidos, promovendo a amamentação materna, que é uma maneira de prevenir a obesidade. Durante a introdução alimentar, também devem expor a criança a alimentos mais saudáveis e, sim, continuar observando o quanto de peso ela ganha durante o ano. A criança, dos quatro até os 10, 12 anos, no início da puberdade, deve ganhar de um a dois quilos por ano e crescer de quatro a seis centímetros por ano. Então é necessário observar como esta criança está ganhando peso, como ela está se desenvolvendo. Esta é uma maneira de os pais estarem alertas em relação à presença da obesidade.
Qual alerta para os pais de crianças obesas?
O alerta é identificar esse ganho de peso anual, estimular a criança a uma vida saudável, à prática de atividade física, não só atividade física programada, mas também de atividades não programadas, como brincar ao ar livre, ter brincadeiras ativas, menos tempo sentado em frente à tela de computadores, à televisão, menos tempo no celular… tudo isso são maneiras que os pais podem contribuir para que a criança se desenvolva de um modo mais saudável.
De que forma podemos prevenir a obesidade?
Algumas formas de prevenir a obesidade infantil são garantir um bom pré-natal para as mães. A gente sabe que crianças filhas de mães obesas têm mais chances de também se tornarem crianças obesas; evitar alimentos ultraprocessados na infância, estimular alimentação saudável, alimentação natural e evitar longos períodos de sedentarismo.