Em entrevista, diretor científico da SMCC analisa o cenário atual dessas doenças no Brasil
Abril é o mês de conscientização sobre as imunodeficiências primárias. Mas você sabe o que é isso? Nesta entrevista, o diretor científico da SMCC (Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas), Dr. Antonio Condino Neto, que é alergologista e imunologista, explica as principais características dessas doenças, analisa o atendimento atual e destaca a importância do diagnóstico precoce. Confira!
O que são imunodeficiências primárias?
É um conjunto de aproximadamente 450 doenças de origem genética que afetam o desenvolvimento do sistema imunológico. São problemas de nascença. Esses pacientes podem apresentar uma susceptibilidade para ter infecções por repetição, formas graves de alergia, formas graves de doenças autoimunes e autoinflamatórias e também susceptibilidade a câncer. A incidência delas na população é de cerca de 1 para 10.000, e elas são classificadas em dez grupos. No Brasil, a população estimada de pessoas com imunodeficiências primárias é de 20 mil pessoas.
O que é a triagem neonatal, popularmente conhecida como Teste do Pezinho, e qual a importância dela no cenário das imunodeficiências primárias?
A triagem neonatal visa a detecção precoce, logo ao nascimento, de doenças que são assintomáticas e que, em pouco tempo, terão uma evolução catastrófica, com elevada gravidade, morbidade, sequelas e mortalidade, se não forem diagnosticadas e tratadas da maneira correta. Então a triagem neonatal é para detectar o problema antes que ele apareça. No Brasil, até então, a gente vem fazendo triagem para seis doenças. Em maio de 2021, houve a ampliação da lei, que trata da ampliação da triagem neonatal para 50 doenças. Foi aprovada no Congresso, no Senado e sancionada pelo presidente da República. Agora, a triagem engloba os dois grandes grupos de imunodeficiências primárias, que são os erros inatos do metabolismo e os erros inatos da imunidade.
Como está a implementação dessa ampliação, que é o Teste do Pezinho Ampliado? O senhor poderia fazer apontar os principais benefícios?
No Brasil, a triagem neonatal está ampliada para 50 doenças no município de São Paulo, Estado de Minas Gerais e Distrito Federal. Os outros Estados ainda estão em fase de implementação e têm quatro anos para chegar lá. Vamos ampliar muito o leque de possibilidades diagnósticas e salvar muito mais crianças.
Os diagnósticos das imunodeficiências primárias costumam ser feitos como deveriam ou a falta de conhecimento por parte dos pais e dos próprios profissionais acaba dificultando o diagnóstico precoce?
Pelo fato de ser uma área relativamente nova na medicina, ela é desconhecida da classe médica, os colegas não conhecem essas doenças, e as famílias, muito menos. Vamos lembrar que o médico só diagnostica aquilo que conhece. Então nós criamos o Grupo Brasileiro de Imunodeficiências. No site www.bragid.org.br, é possível ver todo um trabalho educativo que foi montado no ano de 2001. Nós recebemos o reconhecimento da Fundação Jeffrey Modell de imunodeficiência e estamos lutando por essa causa, para disseminar o conhecimento para a classe médica para que todos aprendam pelo menos o básico sobre esse assunto e ampliem o leque diagnóstico.
Diagnósticos tardios podem levar ao agravamento dessas doenças? Quais são as que mais podem se complicar pela falta de diagnóstico?
Sem dúvida, o diagnóstico tardio vai chegar em um momento em que já se instalaram várias sequelas. Quem tem pneumonia por repetição, por exemplo, vai ter sequelas no pulmão, bronquiectasia; a pessoa pode ter uma meningite e ficar com uma deficiência intelectual; pode ter infecções de ouvido de repetição e ficar surda; desnutrição devido ao quadro de diarreia crônica; infecções de pele com muitas cicatrizes, e por aí vai. A lista de problemas é numerosa. Então a ideia é diagnosticar cedo, precocemente, e começar o tratamento para justamente evitar essas complicações que vão acontecer.
Como é o acesso a tratamentos em nosso país, principalmente na região de Campinas?
As imunodeficiências primárias são de cobertura obrigatória tanto pelo SUS (Sistema Único de Saúde) quanto pelo rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Aqui em Campinas, no Hospital e Maternidade Celso Pierro, no Hospital das Clínicas da Unicamp e no Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, ligado à Faculdade São Leopoldo Mandic, ou seja, na estrutura do SUS, esses pacientes são diagnosticados e tratados. Na rede privada, a cobertura é obrigatória pelos convênios. Em Campinas, existem aproximadamente 10 alergistas e imunologistas clínicos que estão habilitados a tratar esses pacientes.
O senhor poderia citar alguns sinais de alerta sobre essas doenças?
Os sinais de alerta para essas doenças são aqueles divulgados pela Fundação Jeffrey Modell:
– Duas ou mais novas infecções de ouvido em um ano
– Duas ou mais novas infecções sinusais em 1 ano, na ausência de alergia
– Uma pneumonia por ano por mais de 1 ano
– Diarreia crônica com perda de peso
– Infecções virais recorrentes (resfriados, herpes, verrugas, condilomas)
– Necessidade recorrente de antibióticos intravenosos para eliminar infecções
– Abscessos profundos e recorrentes da pele ou órgãos internos
– Aftas persistentes ou infecção fúngica na pele ou em outro lugar
– Infecção por bactérias semelhantes à tuberculose normalmente inofensivas
– História familiar de Imunodeficiências Primárias