Em 4 de agosto, é celebrado o Dia Nacional da Campanha Educativa de Combate ao Câncer; confira entrevista com o oncologista Dr André Deeke Sasse
Difundir informações sobre o câncer é fundamental para aumentar o diagnóstico precoce e até para incentivar as pessoas a mudarem comportamentos que podem favorecer o surgimento da doença. Esclarecimentos são tão necessários para a conscientização que o dia 4 de agosto se tornou o Dia Nacional da Campanha Educativa de Combate ao Câncer. Nesta entrevista, o oncologista Dr. André Deeke Sasse, coordenador do Departamento Científico de Cancerologia da SMCC (Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas), explica os principais pontos da doença, fala sobre a importância do diagnóstico precoce e dá uma série de dicas que podem ajudar a reduzir os riscos de desenvolvimento de câncer.
1. No dia 4 de agosto, é comemorado o Dia Nacional da Campanha Educativa de Combate ao Câncer. Para você, como oncologista, qual a importância de campanhas na prevenção e combate ao câncer no Brasil?
O câncer ainda é cercado de mitos, medos. Problemas causados pela falta de informação ou até pela repercussão de falsas promessas e pseudociência. As campanhas servem para a difusão de informações verdadeiras, com fundamento científico, e responsáveis.
No Brasil, muitos diagnósticos de câncer são feitos em estágios avançados da doença, em que as chances de cura são mais baixas. Então informações sobre como fazer o rastreamento populacional, como diagnosticar câncer curável em quem não apresenta nenhum sintoma e também quais são os sinais de alerta são fundamentais para melhorar os resultados dos tratamentos, para curar mais pessoas. Também informações sobre a prevenção, sobre bons hábitos de vida estimulam que pessoas parem de fumar, por exemplo. Ou que iniciem atividades físicas regulares.
2. Quais os tipos mais comuns de câncer que são diagnosticados em nosso país?
O câncer de pele é o mais frequente no Brasil. Mas considerando os outros tipos, o câncer de mama é o mais frequente em mulheres e o câncer de próstata, nos homens. Depois, os mais comuns são o câncer colorretal, de pulmão e de estômago.
3. Quais orientações podemos passar para a população para uma vida longe do câncer? Tem como evitar?
Como evitar, infelizmente não. Muitos casos ocorrem devido a erros na divisão de células normais de nosso corpo, por puro acaso. Mas há sim como diminuirmos, de forma significativa, o risco do câncer, com hábitos que melhoram a capacidade do nosso corpo de diminuir esses erros aleatórios ou de reconhecer e destruir células anormais logo no seu surgimento.
Na alimentação, várias dicas simples e fáceis, como, por exemplo, diminuir a ingestão de gorduras, principalmente de origem animal. Dar preferência às carnes brancas, como a do frango, sem pele, peru ou peixe. Retirar toda a gordura da carne antes de prepará-la. Escolher leite e derivados desnatados. Evitar molhos à base de ovos e óleo, como maionese. Incluir frutas, verduras e legumes variados na alimentação diária. Comer alimentos ricos em fibra, como cereais integrais, farelos de cereais, frutas e vegetais.
Atividades físicas são importantes. Usar escadas ao invés de elevador quando subir um ou dois andares ou descer até três andares. Descer do ônibus, trem ou metrô um ponto antes de seu destino ou estacionar o carro um pouco mais distante do que o habitual. E, logicamente, passar menos tempo em frente à TV ou ao computador.
Nos hábitos diários, algumas lembranças. Parar de fumar, a mais importante. Limitar a ingestão de bebidas alcoólicas (não se deve tomar mais do que uma dose por dia). Evitar a exposição prolongada ao sol e usar filtro solar fator 15, no mínimo. E fazer regularmente autoexame de boca e pele.
4. Hoje em dia, quais tratamentos temos disponíveis no Brasil para quem está lutando contra essa doença?
No Brasil, temos à disposição praticamente todas as tecnologias com comprovada eficácia. Radioterapias com tecnologias de precisão estão presentes nos principais hospitais e clínicas do país. Quimioterapia, imunoterapia, terapias-alvo, todas estão disponíveis comercialmente.
Infelizmente, o acesso a essas tecnologias tem sido nosso grande gargalo. No SUS, os valores pagos aos hospitais por cada tratamento estão congelados por cerca de 20 anos, impossibilitando a incorporação de novas tecnologias. Não há um programa nacional de câncer que planeje de forma racional a padronização das terapias mais importantes.
Na saúde suplementar, temos também alguma dificuldade com medicamentos orais. Apesar da cobertura para terapias antineoplásicas ser um item obrigatório para planos de saúde, se o tratamento for feito por via oral, a ANS (Agência Nacional de Saúde) precisa, antes, emitir um parecer favorável, em uma lista oficial, atualizada a cada dois anos. Dessa forma, um medicamento pode demorar muito para estar realmente disponível, devido à morosidade dos processos. Um recente projeto de lei que igualava os medicamentos orais aos endovenosos quanto à obrigatoriedade de cobertura foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, após aprovações com ampla maioria de deputados e senadores.
Dessa forma, inovações, muitas vezes, estão disponíveis, mas a um custo que não permite a utilização normal pelos doentes brasileiros.
5. É importante a realização de exames de rotina? Quais exames e quais médicos devemos procurar?
Alguns exames são fundamentais. Muitas pessoas não fazem exames de rotina porque elas têm medo de descobrir que têm câncer. Apesar de obviamente os exames de check-up serem realizados para detectar a doença, a grande maioria das pessoas examinadas está livre de doença. Exames normais são um alívio para as pessoas, principalmente aquelas de alto risco para o desenvolvimento de câncer. Detectar doenças que põem em risco a vida das pessoas tão cedo quanto possível oferece a maior oportunidade de cura e sobrevida, com a melhor qualidade de vida. O câncer não para de crescer só porque a pessoa não está pronta para lidar com ele, e não sabe que está com a doença.
Em qualquer consulta médica de rotina, pacientes a partir dos 20 anos devem fazer um check-up relacionado ao câncer. Este check-up deve incluir exame físico direcionado para câncer de tireoide, testículos, ovários, linfonodos (gânglios), cavidade oral e pele. Também devem ser feitos aconselhamentos sobre tabagismo, exposição solar, nutrição, práticas sexuais e fatores de risco gerais e ocupacionais (relacionados ao trabalho).
Mulheres precisam ser acompanhadas pelo seu ginecologista, com exame ginecológico e citologia de forma regular, a partir da idade que se tornem sexualmente ativas. Também devem fazer mamografia pelo menos a partir dos 50 anos. Homens precisam fazer PSA e toque retal, também a partir dos 50 anos, na maioria dos casos.
Também a colonoscopia é uma ferramenta importante de rastreamento de câncer colorretal, e toda pessoa com mais de 50 anos deveria fazer.
6. Para servir de alerta, em relação aos principais tipos de câncer, a quais sintomas ou anormalidades devemos ficar atentos em relação ao nosso corpo que necessite uma visita ao médico?
Uma boa regra para se levar em conta, para se decidir marcar consulta num médico, é se perguntar se o sintoma que você está sentindo está incomodando há algum tempo. Sintomas persistentes são especialmente importantes como alertas para o câncer. Apesar de, na maioria das vezes, serem alarmes falsos, é sempre melhor ter os sintomas checados. Cada tipo de câncer pode causar um tipo de sintoma diferente. Mas cito os mais importantes para se prestar atenção. Alteração de hábito intestinal (diarreia ou constipação intestinal) pode significar algum tumor intestinal. Tosse ou rouquidão persistente pode ser um sinal de doença pulmonar ou de laringe. Feridas que não cicatrizam podem significar algum câncer de pele, ou de boca, língua. Também mudanças ou crescimento de manchas na pele devem ser vistas com cuidado. Indigestão, ou dificuldade para engolir, pode significar que há algo na garganta, esôfago ou estômago, interferindo com a passagem dos alimentos. Qualquer nódulo, inchaço, seja na mama ou em outra parte do corpo, precisa ser mostrado para um médico. Qualquer sangramento precisa ser investigado, seja intestinal, urinário ou mesmo um sangramento tipo menstrual após a menopausa.