Pouco mais de um ano após os primeiros casos de Covid-19 no País, ainda nos encontramos em uma fase crítica da pandemia. Muitos hospitais estão com a maioria dos leitos de enfermaria e UTI ocupada, e isso acaba assustando algumas pessoas, que, com medo de procurar um médico, deixam de fazer consultas preventivas, deixam de procurar um serviço de saúde quando sentem algum sintoma diferente e, em alguns casos, até deixam de fazer o acompanhamento de doenças já diagnosticadas.
Essas atitudes preocupam a área médica, já que a falta de prevenção, o diagnóstico tardio e a demora para começar alguns tratamentos podem comprometer seriamente a saúde de uma pessoa.
Nós conversamos com o 1º secretário do Departamento Científico de Endoscopia da SMCC, Dr. Admar Concon Filho, que também é médico endoscopista, cirurgião bariátrico e cirurgião do aparelho digestivo, além de coordenador do Núcleo de Endoscopia Bariátrica da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.
1 – Algumas pessoas estão receosas na hora de procurar um serviço médico, seja em hospital, consultório ou clínica de exames, por medo de se contaminarem nesta pandemia. Isso é uma preocupação para os médicos?
Sim, é uma preocupação porque, apesar do foco, por motivos óbvios, estar relacionado à covid-19, outras doenças continuam acontecendo e, quanto mais cedo tratadas, maiores as chances de cura. É inegável que este momento exige muitos cuidados para evitarmos a transmissão do coronavírus, mas deixar a saúde de lado pode ser um grande erro. Não sabemos por quanto tempo essa pandemia vai durar, e adiar diagnósticos e tratamentos pode complicar muitas outras doenças.
2 – O que a pessoa precisa considerar na hora de procurar um serviço médico?
O primeiro ponto, sem dúvida, é, na medida do possível, evitar ir a um hospital sem necessidade. No caso de consultórios, clínicas médicas e clínicas de exames, foram adotados protocolos rígidos para evitar a contaminação. Esses protocolos vão desde uma triagem por telefone antes do atendimento até uma triagem no dia, com aferição de temperatura e preenchimento de questionários sobre possíveis sintomas recentes e contato com pessoas contaminadas; higienização constante de ambientes; utilização de máscara obrigatória a todos os pacientes; utilização de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) por toda a equipe; proibição de acompanhante, entre outros… Enfim, uma série de medidas para garantir a segurança de pacientes, médicos e demais colaboradores.
3 – Quando ir ao médico?
Se a pessoa está em algum tipo de tratamento, jamais deve deixar de fazê-lo sem o consentimento do médico. Outro ponto que precisa ser observado é o surgimento de algum sintoma diferente, que merece ser investigado. Algumas cirurgias eletivas também devem ser feitas para evitar que virem de urgência. Mas isso, claro, se a estrutura hospitalar local comportar este tipo de procedimento. Por isso, é importante manter um bom diálogo com o médico, que certamente dará as orientações mais adequadas para cada caso.
4 – Dentro da sua área, como ficaram os exames de endoscopia e colonoscopia?
Logo no início da pandemia, quando tudo fechou, esses exames acabaram sendo suspensos na maioria dos serviços. Pouco tempo depois, voltaram a ser feitos normalmente. São exames relativamente simples e muito importantes, que podem prevenir e diagnosticar doenças sérias.
5 – Que tipos de doenças esses exames podem diagnosticar?
No caso das endoscopias, podemos detectar úlceras, refluxos e fazer pesquisas de bactérias e outras doenças que acometem esôfago, estômago e duodeno (parte inicial do intestino). Este exame costuma ser indicado para pessoas que apresentam dor no estômago, azia, má digestão ou dor abdominal há algum tempo. Ela também é importante em casos de perda de peso sem motivo aparente, de dor ao engolir o alimento, dificuldade para o alimento descer após ser engolido ou histórico de doenças graves na família, como câncer de estômago ou de esôfago.
Já a colonoscopia é um exame muito importante para prevenir o câncer colorretal. Cerca de 90% dos casos deste tipo de câncer começam com um pólipo, uma pequena lesão (“verruga”) no cólon ou no reto, que, se retirado no início, não se transforma em um tumor. E esse pólipo é retirado durante a colonoscopia, que deve ser feita por todas as pessoas a partir dos 50 anos de idade. Quem tem caso de câncer colorretal na família deve começar a fazer este exame 10 anos antes da idade que tinha o parente mais jovem quando descobriu a doença, ou seja, se este familiar teve câncer com 45 anos, você deve começar a fazer a colonoscopia aos 35 anos. A periodicidade do exame vai depender dos resultados, por isso, é importante sempre ter acompanhamento médico.
Portanto, adiar exames como esses pode comprometer significativamente o tratamento de algumas doenças sérias.
Vale lembrar que desde que esses exames foram retomados, as clínicas adotaram novos protocolos em todo o processo para evitar a contaminação. Os cuidados são semelhantes aos de um centro cirúrgico.
6 – O senhor poderia explicar melhor quais são esses protocolos para os exames?
De forma geral, toda a equipe dentro da sala de exame utiliza uma paramentação completa, como se estivesse em centro cirúrgico. Máscaras, aventais, luvas e face shields. Os profissionais também mantêm um distanciamento maior dentro da sala e, em caso de qualquer sintoma relacionado à covid-19, são imediatamente afastados. Por isso, as equipes são monitoradas diariamente. Outro cuidado que vem sendo tomado é o aumento do intervalo entre os exames para que todo o espaço seja higienizado e não haja concentração de pacientes na sala de espera e na sala de recuperação.
É importante destacar que essas medidas têm como objetivo preservar a saúde dos pacientes e também dos médicos. Por isso, se o paciente teve contato com alguém contaminado, se está com algum sintoma gripal ou suspeita de contaminação, deve reagendar seu exame.
7 – Por favor, de forma geral, qual a orientação que o senhor dá para a população?
Proteger sua saúde na pandemia vai muito além da prevenção à covid-19. Dificilmente você se contaminará em um ambiente médico, que toma todos os cuidados necessários. Os riscos de contaminação são muito maiores em outros ambientes. Portanto, não deixe de cuidar da saúde neste momento. Mas, lógico, faça isso com responsabilidade, seguindo todas as orientações que receber da clínica, consultório ou hospital.
E, para finalizar, não deixe de fazer a sua parte no dia a dia. Use máscara sempre que estiver fora de casa (e até dentro de casa, caso tenha alguém com suspeita no ambiente), nunca toque na parte da frente da máscara e, assim que chegar em casa, lave-a. Não utilize a mesma máscara mais de uma vez, se ela não foi devidamente limpa. Higienize as mãos com álcool em gel ou com água e sabão frequentemente, principalmente quando tocar em algo diferente. Mantenha distanciamento social nos ambientes e, em hipótese alguma, participe de aglomeração.
Sabemos o quanto todos estão cansados com tudo isso – acreditem, nós, médicos, também estamos -, mas enquanto não houver uma vacinação em massa, essa é a única forma de nos prevenirmos. Precisamos barrar essa alta transmissibilidade do vírus. E não adianta o governo impor restrições mais ou menos severas se não fizermos a nossa parte. São atitudes simples que valem a vida.