A 3ª reunião da “Força-Tarefa – Saúde & Direito” abordou o tema “Telemedicina em Tempos de Pandemia” na última terça-feira (04/08) com a participação dos advogados do Departamento Jurídico da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campias (SMCC), o Presidente da Comissão de Direito da Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Subsecção Campinas, Dr. Idalvo Camargo de Matos Filho e da advogada referência nacional em Direito em Saúde, LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e Direito Aplicado a novas tecnologias em Saúde, Dra. Sandra Franco.
A íntegra da 3ª reunião da Força-Tarefa Saúde & Direito da SMCC está disponível:
Veja o vídeo pelo Canal do Youtube! Clique aqui
Ouça o podcast pelo Spotify! Clique aqui
Na primeira parte da reunião, Dra. Sandra fez uma grande retrospectiva da implantação da telemedicina no Brasil e discorreu sobre os passos para um médico utilizar as ferramentas de telemedicina em sua prática diária. Apresentou um histórico relacionado ao uso e legislação referente a telemedicina e como, de fato, a teleconsulta ainda é um tema a ser debatido em nosso país.
“Temos cidades com concentração de médicos e outras regiões sem profissionais. É interessante ver que há uma má distribuição de médicos no país (…) Se eu pensar na periferia de São Paulo vou encontrar problemas de falta de médicos”, comentou a advogada que enxerga a tecnologia como uma alternativa para a desigualdade de atendimento não somente na periferia mas em cidades pequenas no interior dos Estados.
Dra. Sandra ponderou sobre a importância do sistema de prontuário eletrônico escolhido pelo médico preservar a privacidade do paciente, o sigilo dos dados, o arquivamento destas informações e sobretudo a necessidade dos médicos implantarem tecnologias para acesso aos dados, tudo isso tendo em vista a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) que passará a vigorar em breve. Estes pontos, segundo ela, são dever ético e legal do profissional. “Estas informações não são do médico, mas sim do paciente. O médico não tem o direito de perder”, alegou a jurista que acrescentou: “Ter o prontuário eletrônico não dispensa o físico. É desejável ter o backup a depender do nível de garantia de segurança”, alertou.
A advogada completou a explanação ao dizer que muita polêmica foi criada a partir do anúncio do uso da telemedicina por conta da pandemia, como o aviltamento de salários, redução na contratação de médicos ou uso de outros profissionais de saúde, até por falta de um debate maior, fato que gerou a revogação entre os anos de 2018 e 2019 da prática no Brasil.
Neste momento, segundo a especialista não existe proibição da prática e sim regras éticas. O médico precisa seguir algumas condições como possuir a certificação digital, realizar a prescrição de maneira digital e impressa, adquirir um software adequado para a prática e respeitar a legislação. E na relação com o paciente por meio da telemedicina, o termo de consentimento é mandatório.
“A pandemia trouxe a necessidade do médico acessar o paciente por conta do isolamento, auto-medicação… e assim migraram para teleconsulta. (…) A maioria das farmácias já se adaptou. Eu discordo que vá aumentar a judicialização. Aquilo que pode acontecer em teleconsulta pode acontecer (na consulta) presencial. Eu diria até que estes ativos trazem este raciocínio que eu vou expor”, informou a advogada que completou: “Quando o médico adota um procedimento (remoto) e precisa interromper a consulta porque precisa de exame físico ou serviço de emergência, se ele tem este protocolo claro e está seguro, a possibilidade de errar é pequena. O atendimento a distância não envolve pacientes com casos graves. Vimos países que já passam por isso”, concluiu.
A Advogada do Departamento Jurídico da SMCC, Dra. Márcia Conceição Pardal Cortês levantou algumas preocupações que aparecem entre médicos associados quanto ao uso da telemedicina.
“É um processo formal que é mais complicado que o presencial. É a nova realidade que todos vamos ter que acabar vivendo isso. Como valorar o trabalho todo? Até que ponto vale para todas as especialidades?”.
Dra. Márcia listou as obrigatoriedades na teleconsulta como a identificação das instituições prestadoras e dos profissionais envolvidos, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a identificação e dados do paciente, registro da data e hora do início e encerramento da consulta, a citação da especialidade, motivo da consulta, observação clínica dos dados propedêuticos, diagnósticos, decisão clínica e terapêutica, dados relevantes de exames e diagnósticos complementares, identificação de encaminhamentos clínicos e um relatório com um resumo de todas as informações para registro e encaminhamento de cópia para o paciente com assinatura digital do médico.
O Presidente da Comissão de Direito da Saúde da OAB Campinas, Dr. Idalvo Camargo de Matos Filho, concordou com a Dra. Márcia ao dizer que não adianta achar que não haverá problemas relacionados a prática. “Aquilo que nós temos de legislação hoje produzida no Brasil não dá segurança jurídica para falar que para mim está tudo resolvido a partir de então. A lei 13.989/2020, ela autoriza no contexto de pandemia. Além do veto presidencial ainda há a possibilidade do Conselho Federal de Medicina editar uma norma regulamentando a telemedicina (…) e a imposição de lei para pós-pandemia, que para mim é a importância jurídica para o médico que está fornecendo e do paciente que está recebendo”.
Para a advogada, Dra. Sandra Franco, as possibilidades de intercorrências na prática da telemedicina serão como já funciona na consulta e relação presencial médico-paciente, com previsão de vistas ao Direito do Consumidor, caso seja necessário, em razão do paciente não aderir ao tratamento, por exemplo.
“Não acho que a teleconsulta trouxe uma nova responsabilização civil. Nós temos a mesma situação e, assim como na presencial, ele (o médico) terá que registrar tudo aquilo que ele passa para o paciente (…) Sobre o que Dr. Idalvo falou, eu acredito que desde o momento em que foi decretado o estado de emergência em saúde pública, nós já tivemos uma autorização para o uso da telemedicina e teleconsulta”, comentou citando o Código de Ética.
Dra. Sandra acrescentou que o fato não dispensa a prática por parte do médico das regras já expostas para a prática.
O Advogado do Departamento Jurídico da SMCC, Dr. Lucas Selingardi, trouxe para a discussão o uso das ferramentas de comunicação em massa, como WhatsApp® ou Messenger®, não somente no atendimento médico como sendo também prova/instrumento probatório em processo ético e civil. Segundo o advogado, não houve uma preparação para o uso adequado ou tempo hábil para uma análise desta troca de mensagens que podem resultar em problemas de comunicação ou orientação médica.
“São feitos prints das conversas que fazem parte dos autos. Não houve uma preparação para trabalhar estas informações. Às vezes, o que é escrito não é o que é expressado pelo médico (…) Acho que os médicos tem que verificar as plataformas de uso, deixar por um clique o Termo de Consentimento para garantir as responsabilidades dos médicos e dos pacientes”, resumiu.
Vice-presidente da SMCC, Dr. José Roberto Franchi Amade, disse que toda esta temática deve ganhar uma maturidade natural ao longo do tempo. “É uma tendência! Ela (telemedicina) vai evoluir e o médico opta. Se ele quiser recusar, continua atendendo pelo consultório. É o momento, e isso vai amadurecer. Se ele (o médico) não se sentir seguro ou não é benéfico para o paciente dele fazer, não faça. Fazendo, é tomar todos os cuidados. Ter consentimento, esclarecer as orientações da limitação do atendimento online, e, se o paciente for particular, ter o aceite do pagamento. O médico grava a consulta mas o paciente não pode gravar. Se for menor de idade tem que estar acompanhado do responsável. São detalhes que vão evoluir”, citou o médico como uma recomendação de reforço nos cuidados para os colegas.
Advogada trabalhista do Departamento Jurídico da SMCC, Dra. Karina Olmos Zappelini, acha que o momento contribuirá para uma mudança cultural na relação médico-paciente.
“Estas preocupações com estes detalhes envolve implantar outra cultura para o atendimento presencial. Este cuidado com o consentimento, o acompanhamento (do tratamento), o posicionamento do paciente frente ao médico dentro do consultório… É uma fase de adaptação, acredito que vá mudar o conceito presencial na defesa deles (médicos) no processo ético e de indenização criminal dando importância às anotações, de registrar a consulta”, finalizou.
Dr. Lucas Selingardi finalizou os comentários ressaltando a importância da autonomia profissional do médico.
“Se eu pudesse falar um conselho seria: não se arrisque ou não se aventure a fazer o uso dessa tecnologia se você não se sente confortável ou se realmente há um impedimento técnico do seu convencimento de tratamento do paciente”.