Revista Medicação Ed. Nov 2020
Artigo da Coluna DESTAQUE CIENTÍFICO

PANDEMIA DE COVID-19: LIÇÕES APRENDIDAS, LEGADOS OBTIDOS E LACUNAS EXISTENTES

Dr. Rodrigo Angerami Mais de 50 milhões de casos e cerca de 1,2 milhão de óbitos em âmbito mundial. No Brasil, 5,6 milhões de casos confirmados, dentre os quais mais de 162.000 fatais em pouco mais de 8 meses… O emergente e zoonótico vírus SARS-CoV-2, ancestral de linhagens de morcegos, impôs ao mundo a COVID-19… Read More »

Dr. Rodrigo Angerami

Mais de 50 milhões de casos e cerca de 1,2 milhão de óbitos em âmbito mundial. No Brasil, 5,6 milhões de casos confirmados, dentre os quais mais de 162.000 fatais em pouco mais de 8 meses… O emergente e zoonótico vírus SARS-CoV-2, ancestral de linhagens de morcegos, impôs ao mundo a COVID-19 e com ela a segunda grande pandemia do século XXI, novos e vultosos desafios à saúde em âmbito global, impactos sociais e econômicos em
escala mundial.

Por um lado, a pandemia escancarou, em âmbito nacional, problemas endêmicos de infraestrutura médico-hospitalar, desigualdades de acessos a serviços de saúde, heterogeneidades de oferta de leitos e profissionais qualificados em unidades de terapia intensiva, a carência de planos de contingência previamente elaborados para enfrentamento de emergências em saúde pública em escala pandêmica.

Além de problemas estruturais, os negacionismos de governantes e o obscurantismo científico perniciosamente divulgado em mídias sociais, é consenso, contribuíram significativamente para os lamentáveis números de casos e de óbitos.

No entanto, a COVID-19ressaltou a importância do Sistema Único de Saúde, dos laboratórios de referência de saúde pública, de um sistema de vigilância epidemiológica estruturado e capilarizado, de ações de prevenção e controle coordenadas, da necessidade de ações integradas o entre os três níveis de gestão (municipal, estadual e federal), da ação conjunta das redes pública e privada.

Mais a pandemia mostrou quão relevantes são as ações educativas a profissionais da saúde e a divulgação de informações transparentes e qualificadas à população para o enfrentamento não apenas da COVID-19, mas de inúmeros problemas – endêmicos, epidêmicos e negligenciados – que frequentemente desafiam os sistemas de saúde – públicos e privados – e colocam sob
risco a saúde da população.

É notório que as ações para “achatar a curva” além de visar minimizar o risco de colapso da rede de assistência, contribuíram para a curva de aprendizado acerca das estratégias de assistência aos pacientes suspeitos e confirmados. Protocolos
específicos de prevenção e controle de COVID-19 em serviços de saúde foram elaborados, revisados e aprimorados. Aquisição e recomendação de equipamentos de proteção individual foram viabilizadas.

Medidas educativas sobre a proteção individual e prevenção da transmissão comunitárias – incluindo-se o distanciamento social, a higienização das mãos e uso
de máscaras como equipamento de proteção tanto individual como coletiva – foram amplamente divulgados à população.

Adicionalmente, e não menos importante, o cenário acadêmico propiciou notáveis avanços técnico-científico nas áreas médicas e tecnológicos nos diferentes campos de pesquisa. Em poucos meses o vírus recém identificado já era passível de detecção e caracterização genéticas por técnicas de biologia molecular, para fins de diagnóstico e pesquisa. Testes laboratoriais foram desenvolvidos e disponibilizados, em larga escala, para o diagnóstico do SARS-CoV-2. Inúmeros são os protocolos de
pesquisa e ensaios clínicos na prospecção de possíveis opções terapêuticas.

Foi reconhecida a importância do atendimento médico e avaliação clínica precoces mesmo antes de possíveis sinais de agravamento. Foram cientificamente comprovadas que estratégias de suporte ventilatório – incluindo-se técnicas não invasivas –, a utilização de corticoterapia para pacientes hospitalizados e da anticoagulação para situações específicas se associam à redução da morbiletalidade associada à COVID-19 em pacientes críticos.

A maioria das infecções pelo SARS-CoV-2, aparentemente, são de fato assintomáticas e oligoassintomáticas. Ageusia e anosmia são agora reconhecidas como importantes sintomas que auxiliam na suspeita clínica. As alterações tomográficas em “vidro fosco” passaram a ser reconhecidos não apenas como elementos de suspeição e estadiamento da doença, mas um dos critérios de confirmação da COVID-19.

Ainda que inicialmente a COVID-19 tenha sido considerada doença respiratória com potencial evolução para formas graves, principalmente em alguns grupos de pacientes;

– incluindo-se idosos, obesos e portadores de comorbidades,

– com o aprimoramento da capacidade de investigação e a sistematização das informações clínicas e epidemiológicas relacionadas à doença, ficou patente que formas graves da COVID-19 podem acometer indivíduos saudáveis e jovens e que
o SARS-CoV-2 seria um vírus mais “versátil” no que tange ao polimorfismo de síndromes clínicas, secundárias à infecção ou aos padrões de resposta inflamatória por ele desencadeada, resultando também em complicações não-pulmonares,
incluindo-se eventos trombóticos, miocardite, síndromes neurológicas, manifestações dermatológicas, a recém-descrita síndrome inflamatória multissistêmica.
Sobre o futuro da pandemia, do enfrentamento da COVID-19? Difícil elaborar previsões frente às inúmeras e complexas lacunas do conhecimento por ainda serem respondidas.

A semelhança do que se observa em países europeus, a segunda onda é, ou será, inexorável a todos os países? Quando termina a primeira onda e em que momento se pode afirmar que uma eventual segunda se iniciará? Em que proporção uma segunda onda pandêmica se mostrará mais intensa ou mais branda, mais
breve ou mais curta, que a primeira onda? Qual a importância das imunidades humoral e celular na proteção contra infecções futuras? A imunidade adquirida pós-infecção será completa ou parcial, temporária ou duradoura? A imunidade coletiva será o ponto de inflexão para transmissão comunitária? A imunidade de rebanho será tangível em que momento, a partir de qual taxa de soroprevalência? Infecção prolongada e reativação tardia podem ocorrer? Reinfecção é, ou será, evento frequente ou anedótico? Dentre as dezenas vacinas candidatas ainda em
testes clínicos quais serão as mais efetivas, eficazes e seguras?
Quais as taxas de proteção induzidas pelas vacinas a serem aprovadas? Quais serão os grupos prioritários a serem vacinados e em que momento será viável vacinar toda população?

A pandemia de COVID-19 se mantém como enorme ameaça à saúde da população em âmbito mundial. As lacunas de conhecimento acerca do vírus SARS-CoV-2 e ao COVID-19 ainda são inúmeras. No entanto é certo que o enfretamento só será tangível com abordagens translacionais e multidisciplinares, com maiores investimentos no sistema de saúde público, com o fortalecimento da vigilância epidemiológica e rastreamento de contatos, com o incremento da capacidade de diagnóstico laboratorial, com a atuação das sociedades médico-científicas para elaboração e divulgação de informações pautadas nas boas práticas e evidências científicas robustas, com a atuação efetiva e responsável do poder público nos diferentes níveis de gestão, com os necessários investimentos no sistema de saúde público e com a compreensão da população de que a adesão às recomendações sobre prevenção e controle se constituem não apenas ações de proteção individual, mas a um ato de cidadania e civilidade para proteção coletiva.

Dr. Rodrigo Nogueira Angerami – CRM 94.160
Médico Infectologista
Coordenador do Departamento Científico de Infectologia da SMCC

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