Em sua 13ª edição ao longo de 4 meses, o Fórum “Situação Atual Covid-19 em Campinas”, promovido pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC) trouxe a apresentação dos principais dados do II Inquérito Soroepidemiológico de Covid-19 na população de Campinas e dados parciais do inquérito com profissionais da saúde.
Confira o XIII Fórum SMCC na íntegra:
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Dados do II Inquérito Populacional
Assim como o primeiro inquérito, esse segundo foi feito através do sorteio de endereços de diversas residências, em todas as regiões de Campinas, que foram visitadas por agentes de saúde entre os dias 03 e 05 de agosto. Foram realizados testes sorológicos rápidos e uma entrevista com os moradores destes endereços.
A Dra. Maria Rita Donalísio, epidemiologista da FCM-UNICAMP, foi quem apresentou os dados do II Inquérito.
Os dados revelaram um aumento de 66% no número de contaminados em relação ao I Inquérito realizado 8 semanas antes. O estudo revelou uma prevalência de 3,68% de infectados na população pesquisada (estimativa de 4.991 mil pessoas). A faixa etária mais acometida foi a de adultos jovens, assim como encontrado em diversos outros inquéritos realizados no país.
Entretanto, de acordo com os palestrantes, esta informação deve estar subestimada, devido a performance do teste sorológico utilizado (imunocromatográfico de fluxo lateral) que sabidamente tem menor sensibilidade e especificidade, além de aspectos da própria doença e da imunidade gerada nos pacientes que ainda não são totalmente compreendidas.
Foi ponderado que o teste rápido, apesar de suas limitações, foi a forma mais viável para o tipo de abordagem planejada, por questões de logística e econômicas.
Em relação aos casos assintomáticos, do primeiro para segundo Inquérito observou-se uma redução do percentual de 33,7% para 26,1%. Fazendo o levantamento por grupos específicos, nota-se uma variação conforme a idade, uma vez que entre os mais jovens há a tendência de haver mais assintomáticos e, entre os idosos, realmente poucos são assintomáticos. Além disso, a percepção dos sintomas pode variar conforme a cultura das pessoas.
A região Central de Campinas despontou como sede de grande aumento no número de casos em comparação com o I Inquérito enquanto a região Leste mantém a menor prevalência.
O local mais frequente onde provavelmente ocorreu o contágio ainda é o próprio domicílio (entre membros da família que moram juntos), com cerca de um terço das respostas entre os entrevistados com teste positivo.
Entre todos os entrevistados observou-se que 33,8% afirmaram terem saído de casa de 0 a 1 vez por semana no momento da pesquisa. Outros 32,6% responderam terem saído de 2 a 4 vezes enquanto 33.6% confirmaram mais de 5 saídas por semana. Mas, se por um lado concluiu-se que houve redução na adesão ao isolamento social, por outro lado quase todos os entrevistados confirmaram a adesão ao uso do álcool em gel e máscara o tempo todo.
“A máscara é uma barreira (…) as pessoas citam que estão usando, então tem um impacto também. Álcool em gel é difícil avaliar… Estas questões o Inquérito responde com limitações”, comentou Dra. Maria Rita.
Mas a preocupação ainda está nas aglomerações. Uma vez que o efeito protetor do isolamento social e uso constante da máscara são perdidos num eventual contato próximo com um indivíduo contaminado, como o que pode ocorrer com a retirada, ainda que por minutos, da máscara em locais de alta aglomeração.
O II Inquérito também concluiu que ainda há um grande percentual de susceptíveis na cidade e a doença atinge os mais vulneráveis socialmente, a exemplo do que vem sendo encontrado em inquéritos em outras regiões.
A síndrome gripal continua sendo um bom marcador de risco porque está associada ao contato com casos positivos e o isolamento de casos confirmados e suspeitos e seus contactuantes é medida importante. Esse assunto foi amplamente debatido no XII Fórum da SMCC (20/08) e resultou em diversas matérias na imprensa local.
Dados Inquérito entre Profissionais de Saúde
A Dra. Valéria Almeida, coordenadora da Vigilância Epidemiológica/DEVISA apresentou dados parciais do inquérito soroepidemiológico entre profissionais de saúde, promovido pelo Instituto Butantã / COSEMS, iniciativa do Governo do Estado de São Paulo.
Em Campinas, foram realizados 12.398 profissionais que trabalham na área de saúde, incluindo médicos, profissionais de enfermagem, limpeza e pessoal administrativo de unidades de saúde. Estes profissionais eram da Secretaria de Saúde (64%), Rede Mario Gatti (23%) e hospitais privados (13%). No caso dos hospitais privados, a adesão foi opcional e apenas alguns concordaram em aceitaram participar do inquérito.
A prevalência geral de testes positivos entre trabalhadores da saúde foi 10,5% (estimativa de 1.308 contaminados). Estratificando por local onde os profissionais estão lotados, a Rede Mario Gatti a taxa atingiu 14,4% de testes positivos, por envolver a “linha de frente” no atendimento da Covid-19. Na sequência aparecem Área da Saúde Mental com 12,1% e Ambulatório Policlínica, CR e Regulação com 11,4% de contaminados.
Os testes utilizados no inquérito de profissionais foram sorologia IgM / IgG por imunocromatografia de fluxo lateral, o que resulta nas mesmas críticas de performance do teste apresentadas no inquérito populacional.
Análise
Alguns pontos interessantes fizeram parte do debate após as apresentações, que contou com o médico epidemiologista da Faculdade São Leopoldo Mandic, Dr. André Ribas de Freitas.
Um deles foi a questão da metodologia utilizada nos inquéritos (teste sorológico rápido IgM / IgG), apontada por todos como um viés a ser considerado na análise. Os resultados dos inquéritos podem ser subestimados e o número baixo apontado nos estudos não devem servir como fundamento para negar o avanço e gravidade da doença.
Outro ponto de discussão foi a questão da imunidade de rebanho. Estudos clássicos citam uma percentagem de 60 a 70% de pessoas expostas para atingir a chamada imunidade de rebanho. Porém, esses estudos são baseados em esquemas de vacinação. Considerando a heterogeneidade da Covid-19 e questões envolvendo a imunidade inata (ainda mal compreendida), comportamento da população, idade, entre outros, essa taxa pode variar muito. Estudos citam de 43% até 10-20% e foi consenso que não é possível apostar nesse conceito de imunidade de rebanho neste momento.
Para Dr. André, o momento não é de ceder a ideia de que o pior já passou e liberar as aglomerações. “Não é permitir deixar a pandemia correr solta, mas é um cuidado que temos que ter. Precisamos conhecer melhor o vírus. Ver quem são os confirmados por PCR e rastreá-los, assim como os óbitos. (…) Como tem muita gente que se infecta e não morre, (a doença) parece não ser tão grave. Mas é! Podem subestimar o real poder de mortalidade deste vírus”.
Um ponto destacado na apresentação do II Inquérito populacional foi de que a relação entre casos reais e os captados pela Vigilância em Saúde ficou em 1,8. “Esse dado, de cada dois casos estimados a vigilância conhece um, é muito bom! Em São Paulo, por exemplo é 10:1. A média nacional é de 6-7:1. No Maranhão, 22 casos estimados para um notificado! Comparando com outros lugares, é muito bom”; ressaltou Dra. Maria Rita elogiando a atuação da Vigilância em Saúde de Campinas e seguida por todos os palestrantes.
Uma questão sensível e polêmica foi a volta às aulas. Há argumentos tanto para quem defende a manutenção da suspensão das aulas presenciais quanto para quem defende o retorno.
Para Dra. Valéria Almeida é preciso haver cautela. “O movimento é para que voltem (as aulas), mas os cuidados precisam ser tomados. Existem mecanismos de identificar precocemente os casos e, se a estratégia não der certo, teremos que refazer”, argumentou Valéria. Mais que isso, a médica apontou que o retorno não será total. “A imagem de uma sala de aula cheia com 30 – 40 alunos não iremos ver por muitos meses”.
Para Dra. Maria Rita, é preciso haver alguns protocolos mínimos. “Agora voltar de forma irresponsável é o que está em debate. E tem a questão das escolas públicas, que mal tem torneira para lavagem das mãos”, lembrou.
“Sei que tem perda no desenvolvimento escolar e a relação domiciliar é difícil, mas não pode ser “nem 8, nem 80”. Tem que ter cuidado! Em algum momento tem que começar o retorno. Agora saíram trabalhos sobre a capacidade de amplificação do vírus (SARS-Cov-2) como observado para o influenza. (…) Precisamos antes melhorar o rastreamento e o tempo de entrega dos resultados dos exames pelos laboratórios. Tem que dar tecnologia para a escola voltar. Ter inteligência em vigilância para verificar os assintomáticos”, argumentou o epidemiologista Dr. André Ribas Freitas.
Para o médico, para retorno às aulas, tem que haver garantias para um rastreamento rápido e efetivo dos contatos e isolamento imediato na suspeita, para garantir o funcionamento das escolas sem ter que obrigá-las a fechar um a dois meses depois. “Com a fragilidade de hoje do rastreamento, precisa haver melhorias na estratégia para intervir de maneira efetiva”, afirmou Dr. André.
Entre as questões dos ouvintes, uma citava a reabertura de teatros e cinemas. A maior parte dos participantes concordou que essa decisão faz parte do Plano São Paulo (Governo Estadual) e que os municípios apoiaram. A pressão econômica e hierarquização do Estado para com o município dificulta ir contra a determinação do Estado, mas esta decisão não é respaldada pelos especialistas. Um voto de protesto foi proposto pelo grupo contra essa medida.
O que para os especialistas no Fórum não significa que este experimento não pode resultar em um retorno mais radical as determinações de isolamento em um futuro breve.
A conclusão tirada do XIII Fórum é a de que a situação não está ótima, mas sob controle. Que existe um problema de sensibilidade e agilidade no resultado dos testes e a estimativa de prevanlência é o dobro do captado pela Vigilância.
E, novamente, é preciso recomendar a coleta precoce dos exames Rt-PCR logo no início dos sintomas, trabalhar para reduzir o tempo de entrega dos resultados e investir no isolamento de casos confirmados, suspeitos e seus contatos próximos, não só no domicílio como em outras situações fora da residência.
No encerramento, a presidente da SMCC, Dra. Fátima Bastos fez uma recapitulação das ações do Núcleo Médico de Enfrentamento à Covid-19 e dos Fóruns promovidos pela SMCC co participação dos principais agentes na Saúde da região.
“A SMCC nasceu em um período parecido ao que estamos passando, nas pandemias do início do século passado! E, em 2020, a entidade reforça e honra o papel dos nossos pioneiros. Tudo isso me deixa muito feliz, pela SMCC estar cumprindo o seu papel de servir como um ambiente neutro e de grande credibilidade para reunir todos os médicos para um bem comum”.
“Só este Fórum que reúne os hospitais públicos e privados. Esta facilidade de conversar e compartilhar dados para controle e conhecimento da pandemia é precioso!”, comentou Maria Rita Donalísio da FCM-UNICAMP.
Dr. Marcelo Amade Camargo, Diretor de Comunicação e Marketing da SMCC e moderador dos Fóruns, destacou “Os assuntos debatidos aqui nos Fóruns ganharam a imprensa e, mais do que isso, algumas vezes alteraram o direcionamento das ações na cidade e região. Nosso trabalho aqui inspirou ações até mesmo em outras cidades!”.
Visto a evolução da situação da pandemia em Campinas neste momento, com o retorno gradual a “normalidade”, os Fóruns da SMCC ocorrerão sem uma periodicidade definida. Planejaremos as próximas edições na medida que forem necessárias, de acordo com os acontecimentos.
Campanha de Valorização do Trabalho Médico
Este mês, a SMCC inicia uma Campanha de Valorização do Trabalho Médico para reforçar a importância do médico e dos profissionais da Saúde, além de conscientizar a população e os governantes sobre a necessidade fundamental de garantir boas condições de Saúde para a população.