A 2ª reunião da Força-Tarefa Saúde & Direito, promovida pela Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC) na noite desta terça-feira (29/07) destacou a falta de uma diretriz nacional e a importância de se comprovar, de forma documental, os preços abusivos praticados no mercado junto a insumos e EPI’s no enfrentamento a pandemia. O problema foi levantado e uma campanha criada pela SMCC diante da realidade vivida por médicos e gestores no início do mês de julho.
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A íntegra da 2ª reunião da Força-Tarefa Saúde& Direito da SMCC esta disponível:
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Para reforçar o movimento de coibir os abusos de preços praticados pelo mercado, a Força-Tarefa se reuniu pela segunda vez com o objetivo de traçar medidas concretas. Participaram do evento o Juiz de Direito de Diretor do Fórum de Campinas, Dr. Luis Antonio Alves Torrano, o 12º Promotor de Justiça de Campinas, Dr. José Fernando Vital de Sousa, o Advogado e Presidente da Comissão de Saúde da OAB Campinas, Dr. Idalvo Carmargo de Matos Filho e a Chefe do Departamento Jurídico da SMCC, Dra. Marcia Pardal Cortês.
A mediação foi do vice-presidente da SMCC, Dr. José Roberto Franchi Amade.
Os participantes discursaram sobre os abusos de preços e os motivos envolvidos na cadeia de produção e a urgência do momento em atender a população apesar dos valores altos dos insumos. O grupo concluiu que tanto os profissionais como a população querem e precisam de respostas imediatas, mas que a situação é complexa e exige documentação que comprovem os abusos.
Porém, o abuso de preços tem por trás aspectos como a diminuição de produto no mercado devido a pandemia, o tempo de crise vivida, a alta demanda, o custo do frete dos produtos e matérias-primas, o desperdício e o fator ‘valor agregado’ quando se trata de marcas registradas.
Dr. José Roberto Franchi Amade ponderou trazendo a visão dos médicos e profissionais de saúde.
“Quero que vocês se coloquem na pessoa daquele colega médico que está no front do atendimento e está precisando do EPI e não está consegue comprar. Então o nível de angústia, e ansiedade, e clamor por respostas imediatas é porque na frente de batalha não dá pra você pensar muito em denunciar. Você precisa do insumo, dos medicamentos”.
Para o Promotor de Justiça, Dr. José Fernando Vital de Souza é uma questão complexa. Segundo o magistrado existe um cuidado e uma atenção grande, primeiro pela produção destes materiais, já que boa parte é importada e uma parte é feita na China. “Houve o tempo que os valores eram irrisórios, hoje estão de 1.700 até 3.800% maiores, dependendo do Estado”.
O promotor informou que no Ministério Público tiveram casos envolvendo desde álcool em gel até todas as modalidades de EPI’s. A maior parte são de fornecedores pequenos que compram de outros formando uma cadeia de revenda. Por isso, segundo Dr. Vital, a investigação e punição dependem de uma avaliação da cadeia, demanda tempo e é custoso.
“Isso me lembra bastante uma época que nós vivemos neste país, que era a época do Sarney, que nós tínhamos que sair para ‘caçar boi no pasto’. Os mais antigos vão se lembrar. Toda vez que se tem uma demanda maior e a oferta é menor, automaticamente, ou some este produto ou na verdade se eleva (o preço). Então ingressas-se na concorrência e na lei da oferta e da procura. A grande questão é verificar o que é abuso de poder econômico. A propositura em âmbito civil demanda tempo porque precisa de provas. O caminho mais correto me parece ser no âmbito penal, mas tem que tomar cuidado para efeito de demonstração”, argumentou o juiz.
Para o magistrado, o Brasil precisa de uma ação governamental, a exemplo da medida adotada pelos EUA no episódio dos respiradores, em que o Governo interviu para a requisição dos equipamentos a força e pagamento de indenização. “Seria uma solução rápida e eficaz. Falta olhar político sobre a seriedade da situação. Na rede social se impera o negacionismo do ponto de vista científico. É difícil! Precisamos de mecanismos para o combate de uma pandemia. (…) Não estou dizendo que as essas pessoas não vão ser investigadas, denúncias apuradas e até pessoas condenadas, mas precisa ser avaliado”.
Para a Chefe do Departamento Jurídico da SMCC, Dra. Marcia Pardal Cortês, falta compreensão sobre a necessidade de investigação para comprovar as irregularidades e não fazer injustiça. É preciso comprovação do porque da demora.
“A gente, como advogado, sofre uma certa pressão porque a pessoa diz que o advogado não está fazendo nada porque o proccesso não resolve. Quando a gente sabe que esta morosidade é fruto da investigação. Você tem que ter documentação, provas… para que o juiz tome uma decisão. E não é só uma ação. Porque o problema da gente é único. Quem tem aquele problema levanta e vai dormir pensando naquele problema”.
Advogado e Presidente da Comissão de Saúde da OAB Campinas, Dr. Idalvo Carmargo de Matos Filho disse que há um problema de planejamento no país, apesar de sabermos que não houve tempo hábil de se preparar para a pandemia. Afirmou que advogados, juristas e promotores terão trabalho para apurar as denúncias.
“Vários médicos, individualmente, tem tentado uma defesa mais eficaz em pequenos grupos ou compra individual, onde o Código de Defesa do Consumidor pode ser aplicado. Mas, na minha visão, a gente tem usado as redes sociais e o relacionamento com pessoas próximas para reclamar. Acho que temos que dar a ‘cara a tapa’ e fazer a denúncia, encaminhar aos órgãos competentes para ser apurado caso a caso (…) sem ficar somente chateado nos muros das lamentações das redes sociais (…) para ter uma tranquilidade num momento de fragilidade do ser humano (…)”, acrescentou o advogado.
Legislação e intervenção governamental
Juiz de Direito e Diretor do Fórum de Campinas, Dr. Luis Antonio Alves Torrano, lembrou do problema financeiro vivido pelo Sistema de Saúde Brasileiro, o SUS, que paga R$56,00 por paciente para um hospital, sendo que este tem como responsabilidade além da medicação, atendimento e suporte médico, ofertar alimentação durante todo o período de internação.
Olhando juridicamente, segundo o Juiz de Direito, apesar de existir o Código de Defesa do Consumidor este não ampara os hospitais porque existe uma relação com o paciente que é de consumidor.
A Lei 12.259 do Sistema Brasileiro de Defesa de Concorrência indica que constitui crime aumentar arbitratiramente os lucros e exercer de forma abusiva o poder dominante. Por isso, Dr. Torrano defende a denúncia formal.
“Nós temos que comunicar o fato à polícia! É o que nos resta. Se estiver envolvido o interesse da União, por exemplo, repasse de verbas federais, é a Polícia Federal, senão a Estadual”.
Já a Lei 13.979 que dispõe sobre as medidas de emergência de saúde decorrente do Coronavírus, de fevereiro de 2020, esta fala que os gestores podem requisitar os produtos e serviços necessários. A requisição de insumos e serviços depende da autoridade competente local e, se tratando de prejuízo ao fornecedor, então receba indenização. Medida também apontada pelo Promotor de Justiça, Dr. José Fernando Vital de Sousa, como sendo a mais eficaz para o momento apesar de não estar sendo usada pelo Governo Federal.
“Precisa refletir no âmbito político no local, regional e nacional. Vemos que o Brasil não tem política clara sobre EPI’s. Se não existir uma intervenção orientada do ponto de vista político esta questão não irá se resolver a médio e curto prazo”, argumentou o promotor.
A SMCC está reunindo documentos de médicos, clínicas e hospitais para oferecer denúncia pública através de sua campanha contra o abuso em EPI’s, insumos e medicamentos. Basta encaminhar cópias das notas para [email protected].
O evento terá sua terceira edição nesta próxima terça-feira (04/08) com a presença da Dra. Sandra Franco, Advogada especialista em Direito Médico, da Saúde e Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), reconhecida na atualidade pela abordagem ao tema mídias digitais e telemedicina.